Sábado eu iria me casar. Tudo encaminhado: lista de convidados, cerimonialista, decoração, hotel, vestido, buffet. Quando a gente decidiu cancelar o casamento, foi mais difícil lidar com a burocracia do fim do que com a expectativa despedaçada - contratos foram dissolvidos, pessoas foram desconvidadas, mas o coração quedou aliviado.
Meses se passaram e quando eu pensava nisso era mais com assombro pela imprevisibilidade da vida do que qualquer outra coisa. Acho graça quando a vida me põe no meu lugar e se mostra como ela é: imensa, sempre maior do que eu, impossível de adivinhar, cheia de linhas tortas que se fazem certas.
Mas nesta semana que seria a semana do casamento (marcado pra uma lua cheia, na beira de um rio que encontra o mar) me percebi desesperançada - desesperançada de que vou dar conta de resolver tudo que preciso, da possibilidade do amor durar, da minha capacidade de ser feliz. E tudo isso demorei anos pra erguer dentro de mim, porque não acreditava o suficiente na minha resiliência, porque não testemunhei amores românticos duradouros enquanto estava crescendo, porque por muito tempo me julguei fraca por sentir demais, como se ser sensível fosse uma fraqueza.
Demorou pra eu entender que suportar sentir tanto é atestado de força, por mais que às vezes as pernas fraquejem, o peito se rasgue, os ombros se curvem diante do peso do mundo. Viver é para as fortes. Sei disso com o corpo todo e não trocaria sentir demais por deixar de sentir. Tendo dito isso, reconheço que sentir tudo tanto cansa.
Ouvi uma vez do Leandro Karnal que a esperança é uma aposta na vida - e eu amo a vida. Acho mesmo um milagre, um mistério, um absurdo que, na maior parte do tempo, me interessa e deslumbra. Quando me pego desesperançada me desespero, perco um pouco do chão onde piso com tanta certeza. Incerta, me vi contemplando a finitude das coisas.
O casamento que não foi é uma das muitas lembranças que a vida já me deu de que as coisas mudam, se transformam, acabam. E não me entendam mal, essas palavras não são de arrependimento, nem de querer que o que não foi seja, meu coração está em paz com as decisões tomadas. Mas também está com medo. Medo de perder o que tenho agora, o amor que encontrei dentro e fora, o que conquistei a duros passos, o que descobri inesperadamente, o que guardo perto.
Sim, tenho tantos medos. Por isso me sei corajosa, a gente já sabe que só há coragem onde há medo. Mas cansa viver amedrontada. Como fazer as pazes com os medos? Como contemplar a possibilidade do fim sem tanto desespero, sem perder o sentido?
Tem quem se recuse a amar porque um dia o amor finda. Tem quem acredite que não vale a pena viver porque um dia a morte vem. Tem quem passe por aqui esquecendo que essa vida, nesse corpo, é única e intransferível. Tem quem procrastine viver, postergando os próprios desejos, negando a própria autenticidade, pra depois, lá na frente, se lamentar pelo tempo perdido.
Sobre o medo de amar, digo com fé amolada: o amor nunca morre. Relações podem acabar, mas há sempre mais amor - é preciso aprender onde buscar. Sobre o medo de viver, suspeito que uma das respostas seja justamente contemplar o fim.
Contemplar a finitude das coisas, por mais assustador que possa ser, por mais insegura que a gente se depare, tem serventia pra lembrar de viver agora. Albert Camus escreveu muitos anos atrás que a maior generosidade para com o futuro consiste em dar tudo ao presente. Acho bonito isso. Não é sobre viver desenfreada ou descontroladamente. É sobre entender que o amanhã não está garantido. Tempo é recurso precioso.
Que a gente saiba amar e viver hoje, com tudo que a gente tem, com tudo que a gente é.
— Sugestão Lasciva
A sugestão lasciva de hoje é o filme Crescendo juntas, dirigido por Kelly Fremon. Uma comédia leve, que acompanha as mudanças (de cidade e de puberdade) de Margaret, uma menina de 11 anos vivendo nos anos 70. O filme retrata com sutileza os dramas e complexidades de Margaret no seu reconhecimento de si e na sua busca por Deus. Está disponível no Max e Prime Video.
— Para dar replay
Já que a gente falou de amor e medo, quero relembrar esse vídeo aqui. A gente, mulher, foi condicionada a limitar amor ao amor romântico. Num contexto patriarcal e machista, isso nos isola uma das outras e enfraquece o amor entre nós. Amizade é um amor bonito demais - que ajuda a atravessar começos, meios e fins. Dá play e manda pra amiga que você gosta:
— Reflexões Lascivas
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— Curadoria Lasciva
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Se deslumbrar com o mistério da vida é mesmo a melhor forma de viver
uma das news mais bonitas que já li no substack. te abraço e honro muito seus caminhos, amiga.